sexta-feira, 20 de junho de 2008

"Por isso as vozes que ouço, de tempos imemoriais, são mensagens fraternais, pra quem renasceu agora, por isso minh'alma aflora, em cada coisa que penso, e deixa um rastro de incenso, pra exalar campo afora, e permaneço gaúcho, porque a essência perdura, templa rude, alma pura, que a história conhece a fundo, mesmo pequeno e inundo, de imperfeições deste plano, eu me sinto o ser humano , mais genuíno do mundo... " De estância Alma e Tempo

Eron Vaz Mattos


Externar minha admiração por este poeta, escritor, pela pessoa que é com certeza é cair no lugar comum. Uma pessoa que conseguiu ao longo desse tempo ser unânime, respeitado e admirado por todas as faixas etárias e classes de conhecedores da cultura nativista.~Nunca ouvi um comentário desmerecendo-o. Conhecê-lo pessoalmente sempre foi um desejo, desde que comecei a rascunhar versos, ter tido a honra de passar uma tarde ouvindo e mesmo que por pouco tempo ter entrado no seu universo foi um presente de alto valor.
Divido com vocês um pouco através desta entrevista, intermediada por Alessandro Vaz Mattos, da alegria e da certeza que existem pessoas capazes, competentes e ainda assim donos de uma grande humildade. Sem falar num abração de urso...coisa bem boa!! Gracias Cris e Carla, pela festa que foi Bagé.
.....
Ah! Bagé me espera
Com um olhar de saudade
A mirar da janela
Lá onde xucro se amansa

...
Érlon Péricles



1.És natural de onde? Idade?
Nasci, cm muito orgulho, na localidade de Olhos D’água, interior do município de Bagé a 15/12/1950

2.Qual a tua relação com o campo, cavalo, com a fronteira (região do prata)?
A minha relação com o campo e o cavalo é estreita desde o momento em que nasci, assim como acompanho o folclore da região do prata de longos anos; inclusive atuando como músico até o final da década de 70, principalmente no Uruguai.

3.Tuas referências e influências de vida (música, literatura, pessoas)?
Sempre fui apreciador da boa música independente do gênero; entretanto, construí singular predileção por aquela que identifica o homem gaúcho e seu universo; onde estão inseridos Atahualpa Yupanqui, Osíris Castilhos, Jorge Cafrune, Serafim Garcia, Elias Regules, Romildo Risso, Aníbal Sampayo, Alfredo Zitarroza, Ruben Lena e mais uma infinidade de nomes de imenso valor.Fui presenteado pela Sabedoria Maior com a oportunidade de conviver muito e construir sólidas amizades com pessoas de grande expressão em nosso meio, tais como: Jaime Caetano Braun, Apparício Silva Rillo, Noel Guarani, Glênio Fagundes, Marco Aurélio Campos, Santiago Chalar e Fernando Assunção (do Uruguai), Ramón Ayala e Juan Carlos Pirali (Argentina), etc...,etc...,etc... Sempre envidei os melhores esforços, durante toda a vida na descoberta e aquisição de obras sobre a cultura crioula tanto no RS quanto do Uruguai e Argentina.

4.Como começou tua relação com a música, com a composição?
Por vocação natural; desde a mais tenra infância aprendi alguma coisa no braço do violão e no teclado do acordeon, na condição de autodidata, sem jamais ter sido orientado por alguém e sim tentando copiar aos que eu tinha a oportunidade de assistir tocando.

5.O que fez com que tivesse certeza de seguir escrevendo, o que te fez escolher a música nativista?
Na tentativa de contribuir na construção de uma lucidez maior sobre o dia-a-dia do homem gaúcho e, por óbvio, a escolha deve-se a minha origem rural.

6.O que te incentiva a continuar?
O respeito que tenho pelas pessoas que se identificam com o que escrevo; procuro, sempre, expressar as verdades do meu mundo.

7.Os sacrifícios que fizeste pela música?
São incontáveis; somente os idealistas, em prol da cultura verdadeira, é que sabem do desprendimento, doação e grandeza que se precisa ter para manter um posicionamento isento e edificador; em geral, colhem os frutos aqueles que nada fazem, que são meros sanguessugas e aproveitadores especializados em usufruir do talento de outrem alimentando-se dos frutos maduros das árvores que nunca plantaram.

8.Te arrependes de ter feito algo ou não ter feito pela música?
Absolutamente não, tenho a nítida certeza de haver, até aqui, dado todo o possível para o engrandecimento, da nossa arte poético-musical. Embora tendo a consciência de que a minha contribuição tem sido incapaz de atingir patamares que permitam levar as pessoas a buscar, dentro de si, uma identidade cultural que todos precisariam possuir.

9.Inspirações para compor?
A inspiração é algo mágico, quase misterioso a qual não me sinto capaz de explicar de forma adequada. Consiste, na verdade, de momentos de enorme sensibilidade e elevação espiritual que chega e vai embora sem que possamos segurá-la. Aparece nos horários e lugares mais imprevisíveis e totalmente dissociada da razão ou do pensamento trazendo, comumente, acontecimentos passados que marcaram, indelevelmente, positiva ou negativamente a alma de quem escreve.

10.Tem alguma letra que gostaria de ter feito e não fez, e o que fizeste tem um carinho especial?
Não. Jamais me preocupou a busca de temas para escrever; eles chegam espontaneamente e nos momentos mais imprevisíveis conforme mencionei. Cada composição tem uma razão de ser e nascem de uma necessidade intrínseca que se sobrepõe à razão.

11.O que almejas que teus versos alcancem?
Não possuo nenhuma ambição de qualquer matiz nessa área, mas toda a composição que toque o coração de alguém alcança uma dimensão universal e, isso é, profundamente gratificante para mim.

12.O que tem ouvido mais nos últimos tempos?
Conforme já manifestei, ouço e aprecio qualquer gênero musical desde que tenha qualidade, segundo meu entendimento; entretanto, dou predileção ao folclore sério, verdadeiro, profundo, substancial, que engrandece e eleva a alma humana.

13.Show que foste – livros que têm lido?
Entendo o livro como sendo algo que, mesmo desprovido de voz, nos fala silenciosamente, tudo aquilo que desejamos saber; por isso, se faz indispensável no quotidiano de todos quantos desejam crescer. Estou permanentemente lendo, estudando, pesquisando; a agente sempre tem muito que aprender; apenas não me permito ler ficção. Por maior conhecimento que alguém posso adquirir vislumbrará, a sua frente, um horizonte cada vez mais amplo já que o maravilhoso universo da erudição Possi uma amplitude impossível de ser alcançada integralmente...

14.Como vês a influência da música da região do prata na música nativista?
Com preocupação. Acredito que o conhecimento sobre o universo musical é de fundamental importância para compreendermos melhor o diverso matiz geográfico e histórico que formam o homem gaúcho. Porém misturar esses elementos me parece ser um equívoco maléfico já que possuímos a nossa própria cultura histórica e musical. Todo aquele que se propõe a colocar a sua atividade ou talento em favor da cultura precisa ter a lucidez suficiente para não abalar a sua estrutura essencial que , em última análise, é o patrimônio maior.

15.Festivais, primeiro festival composição e parceria?
Iº Sinuelo de São Sepé com a música “Mulato Ferreiro” e como parceiro, Lucídio Bandeira Dourado.

16.Como encaras esse meio ao mesmo tempo, democrático, mas também bastante criticado por certa “impressão” de panelas dos festivais? Festivais em SC?
Como vês o rumo que as coisas tomaram hoje em dia?Há muitos anos não participo, diretamente, de festivais. Apenas alguns amigos possuem poucas letras minhas que, esporadicamente, põem melodia e mandam para um ou outro evento desses, mas eu nunca assisto; por essa razão, é que não me permito opinar sobre uma coisa da qual estou distante e, óbvio, sem o conhecimento necessário para tal.

17.Fala um pouco da tua experiência nessa trajetória dos festivais? Triagens, premiações?
Jamais me preocuparam as triagens, comissões julgadoras, premiações ...até porque cada festival possui o seu regulamento e todo aquele que se propõe a participar automaticamente está de acordo com o que preceitua esse regramento de cada evento.Sempre defendi que o prêmio maior e mais importante é alguém descer do palco com a convicção de haver apresentando a sua música conforme desejava. Essa é a parte que cabe àquele que compete, tudo o demais está fora do seu alcance.

18.Vencer o bairrismo é algo que inevitavelmente acontecerá? Ou achas que não existe essa diferenciação de estados? Acreditas que algum dia a música mais trabalhada (gaúcha/nativista) alcance um respaldo maior dentro do cenário musical brasileiro?
Não creio. O sentimento nativista está presente em todos os animais superiores, principalmente no homem. Jamais podemos pensar que um estado e seu povo são superiores ou inferiores que outros, entretanto, é necessário admitirmos que são diferentes por múltiplos fatores culturais autóctones; fundamentalmente, em um país com extensão territorial como o Brasil. As pessoas se constroem de acordo com o ambiente onde nascem, crescem e vivem, por isso, acabam criando um vínculo emocional profundo com o seu lugar o que é absolutamente natural em todos os continentes. O vocabulário regional se constitui numa barreira difícil de ser rompida por vários fatores já mencionados, mas nas classes mais eruditas, tenho percebido uma respeitosa aceitação e apreço por parte de pessoas de outras regiões brasileiras com relação a nossa canção.A música que nos identifica, de forma genuína, não possui características que possam torná-la de grande aceitação popular até por ser nitidamente introspectiva e com expressões micro regionalizadas absolutamente peculiares dentro do contexto nacional.

19.Como lida com as críticas, e ao mesmo tempo ser espelho para outros autores? Fala um pouquinho de algumas pessoas como Lisandro Amaral, Sonido Del Alma Gaúcha, e por aí vai?
Em geral as críticas desabonatórias partem de alguém incapaz, sem talento para nada e, principalmente, sem comprometimento com a arte, a cultura e o bem comum, e, sendo assim, não causam nenhum incomodo ou inquietação para mim.Não estou seguro que tenha servido de espelho para outros autores, mas a se confirmar a sua afirmativa, faz-me sentir engrandecido como ser humano...Em relação às pessoas, amigos e parceiros, considero-me suspeito para emitir opinião porque os acompanho desde o início de suas exitosas trajetórias e são pessoas profundamente caras para mim. Mas penso que são destacados talentos que têm enriquecido sobremaneira o patrimônio poético-musical do nosso estado.

20.Como é a sua relação com outros músicos de SC e RS?
A melhor possível, sempre mantive uma relação respeitosa com todas essas pessoas, faz-me bem conhecê-las e aprender com elas. Não faço restrições a ninguém. Todos merecem consideração até que provem em contrário.

21.Como é pra ti saber que teus versos ganham fronteiras além do RS?
Da mesma maneira que me deixa lisonjeado, faz-me sentir uma responsabilidade imensa, coisa que eu jamais imaginei pudesse acontecer até por que nunca escrevi com essa intenção. Os meus pobres versos rurais nascem de uma necessidade intrínseca de expressar a realidade, as expectativas, as dores e alegrias dos meus iguais do campo.

22.Como lida com o assédio que vem naturalmente como resposta ao trabalho que desenvolve? Como é tua relação com os fãs e com os novos músicos? Como vês o futuro da nossa cultura, atuação dos jovens nativistas nesse resgate e perpetuação da tradição?
Confesso que há momentos difíceis, cansativos, porque as pessoas em geral, esperam da gente aquilo que elas necessitam para saciar a sua “sede” e não o que a gente pode dar e, muitas vezes qualificam-nos como seres superiores e não é assim. Somos pobres e imperfeitos mortais, suscetíveis a qualquer sentimento, fragilidade ou necessidade, como todos os demais...Mantenho a melhor das relações com os novos músicos e, quando solicitado, sempre estou disposto a contribuir naquilo que esteja ao meu alcance. Na verdade, eles são continuadores dos objetivos sonhados por seus antecessores...Em relação ao resgate e a perpetuação da tradição, são aspectos que me preocupam sobremaneira de vez que, embora tenhamos talentos de imensa estatura, há uma acentuada necessidade de se estudar muito, muito e refletir ainda mais para solidificar a lucidez sobre quem somos e de onde viemos desde o início do tipo sócio-antropológico “Gaúcho”.

23.Viver de música: utopia ou realidade?
Mesmo sendo difícil algumas pessoas conseguem viver satisfatoriamente tendo a música como atividade profissional.

23.Fala um pouco da música instrumental gaúcha e brasileira como um todo? Tua visão sobre com é vista e aceita pelo público?
Entendo que a música instrumental que possuímos atingiu um nível altíssimo, maravilhoso, mas inexplicavelmente, parece que não conquistou um público significativo como era de se esperar quem sabe por uma questão cultural...
24.Qual é a melhor coisa do ambiente dos palcos, festivais...?
Acredito que o melhor dos festivais está nos bastidores onde se reúnem os autores, músicos, interpretes... É nesses momentos em que as pessoas consolidam amizades, conhecem novos amigos e, nesses lugares a arte atinge uma dimensão singular pela descontração o que propicia um enriquecimento recíproco imenso alcançando uma dimensão espiritual e fraterna de grande expressão.

25.Como vês a divulgação que é feita das músicas em geral, dos festivais, gravadoras, rádios?
Pelo que tenho observado ao longo dos anos, esse é um problema grande significando eis que a distribuição deixa muito a desejar e as emissoras de rádio não rodam as músicas de festivais como deveriam. Apenas o fazem quando conjuntos ou cantores gravam-nas em seus discos particulares. Certamente existem dezenas de belíssimas canções de festivais que são praticamente desconhecidas, quase “inéditas”.

26.Em linhas gerais como avalia a tua imagem e responsabilidade sendo uma pessoa pública e voz para sentimentos de muitas pessoas?
Avalio como uma densa responsabilidade, entretanto não me envaidece.

27.A ânsia andarilha faz parte desse mundo festivaleiro/ artístico. Que pensas sobre isso de estar sempre na estrada? Como fica o coração nesse caminho? A família?
Embora seja cansativo andejar, a estrada ensina muito, é uma das grandes escolas que o homem pode freqüentar. No meu caso, conforme mencionei, há muitos anos estou afastado desses eventos.

28.Acreditas que a música feita hoje sobreviverá à voracidade e a volatilidade do mundo globalizado, resistindo e sendo lembrada daqui a algum tempo?
Conforme já mencionei na resposta a pergunta 22, somente um nível cultural elevado da população sulina poderá fazer com que isso aconteça, caso contrário, poderá ser engolida pela globalização.

29.Lançaste um livro “Aqui: Memorial em Olhos D’água” fala um pouquinho dele, se pretendes fazer outro, distribuição, onde encontrá-lo?
Até o momento possuo três livros editados a saber: - Romance de Estrada Longa, Aqui (memorial em Olhos D’água) e Meu Canto. O livro AQUI, é um ensaio etnográfico da minha região, ilustrado com 236 fotos do quotidiano rural. Penso que essa é a obra da minha vida. Encontra-se esgotado como os demais, embora como alguma possibilidade de reedição mesmo que um tanto remota.Estou com outros três livros prontos para serem editados, porém, acredito que permanecerão inéditos porque é caríssimo editá-los e as pessoas, atualmente, possuem outras prioridades muito distanciadas do conteúdo silencioso dos livros.

30.Acredita numa maior autonomia dos estados, o sul-independente? Como vês a posição das pessoas no sul em relação à política social-econômica diante do país? Mercosul algo que realmente existe?
É uma questão difícil de ser respondida em poucas palavras, mas sou favorável à autonomia maior dos estados. Mercosul nunca saiu do papel lastimavelmente.

31.Fala um pouco de Bagé, tua relação com esse chão, a fronteira, o campo... Ela dentro do estado do RS?
Bagé é uma antiga cidade de campo fundada em 1811 e, sem dúvida possui uma riqueza histórica impressionante e está situada a 60km do Uruguai e mais; hoje, por uma constatação técnica reconhecida a nível mundial, podemos afirmar que esta região fronteriça, mais o território do Uruguai pe parte da Argentina dispõem dos melhores campos naturais do planeta. Este é o meu lugar, a minha querência, meu chão.. Esta fronteira possui elementos mágicos por um amálgama cultural de idiomas, almas, sentimentos, campos largos e céu profundo.

32.Que time torces, comidas, bebidas?
Prescindo de algumas coisas e, entre elas, esse esporte que não faz parte da minha vida, acredito que tenha descoberto coisas bem mais importantes para refletir e tentar crescer espiritualmente.Em relação à comida, me agrada muito o tradicional assado, que erroneamente chamam de churrasco, e uma infinidade de pratos maravilhosos e simples que constituem o dia-a-dia da minha região e de seus habitantes rurais. Não sinto necessidade de comidas requintadas, a melhor das essências reside nas coisas simples.

33.O que te faz sentir de alma lavada?
Muitas situações me satisfazem como ser, quando se faz justiça, quando se pode ajudar alguém, ver triunfarem os que merecem...

34.O que te faz sentir-se mal?
O contrário da resposta anterior.

35.Planos para o futuro?
Não alimento muitas preocupações com o futuro já que, este é sempre uma incógnita. O que realmente tem valor para o homem é sua trajetória vida adentro, sua vivência, sua experiência, seus aprendizados, seus erros e acertos, seus amores... Tudo o que podemos nos valer para ajudar-nos, no presente, está contido no passado que pode e deve ser o grande patrimônio que ser humano precisa edificar para depois usufruir nos momentos adequados.

36.Mensagem para as pessoas que admiram seu trabalho.
Primeiro, o agradecimento sincero e profundo pela valorização e respeito ao que faço, modestamente. Segundo, que todos tenham como meta de vida, a cada novo dia, ser melhor como gente, como ser, como essência vital. Terceiro, que reflitam sobre esta frase imensa do inigualável e saudoso Atauhalpa Yupanqui: “O homem começa a valer quando aprende a entender e respeitar o chão onde pisa.”

37.Tua relação com a internet?
Não tenho acesso.